terça-feira, 8 de outubro de 2013



É fome

            Fim de dia. No terminal chega e sai gente. Nos bancos de espera várias pessoas aguardam os ônibus de suas linhas. O dia está sem luminosidade, como se estivesse prestes chover; um lençol de nuvens empana o rei solar, como se o protegesse da translação terrestre. É um dia como outro qualquer. A rotina diária, o chove não molha de pessoas que tentam sobreviver, enfrentando a carestia da época.
            Ouve-se uma buzina: é um dos ônibus que tenta sair, mas quase atropela um pedestre distraído que estava a fazer contas caminhando sem olhar pra frente.
            De repente, um grito, alguém diz:
            _ Segure minha filha, estou passando mal!
           E a criança escorrega de suas mãos, prontamente amparadas por mãos que, rápidas, seguram aquele serzinho, uma menina, de no máximo um ano. Olha-se seu rosto, e se vê que é uma garotinha especial.
            Entre os bancos as pessoas observam o estado lastimoso da jovem. A curiosidade é do tamanho da incoerência humana, é um vai e vem de carros nas ruas paralelas, é a impotência da atitude humana, as pessoas sentem-se amedrontadas, por que será o desmaio?
            A moça volta a si e grita:
            _ Minha filha, eu quero a minha filha!
            E torna a desmaiar. Amparam-na.
            _ É um colapso nervoso? - alguém pergunta. Não houve resposta. A multidão se aglomera, é a curiosidade natural do ser humano.
            A pequenina é um grãozinho de areia no meio daquela gente, mas alguém a segura. Hora de segurar firme, pois podem levá-la, só tem a mãe ali, que no momento se encontra impossibilitada de protegê-la.
            Os responsáveis pelo terminal chamam ambulâncias, mas demoram muito prá chegar; a moça volta novamente a si e torna  a dizer:
            _ Minha filha! Onde está minha filha? – e novamente perde os sentidos. Esta mãe já acordou e desacordou umas oito vezes.
            A espera pelos socorros é angustiante e a multidão começa a se revoltar. Ouvem-se gritos de um lado e de outro.
             _ Por que a ambulância não chega? – e a pergunta fica sem resposta.
            O desespero é total, todos observam a moça que crava suas unhas nas palmas das mãos, dando a impressão de que ela quer segurar algo, para se sentir segura. Continua desmaiada, a criança, um anjo quietinho no colo de uma estranha, não chora, não tem noção da extensão da dor da mamãe. De repente, acorda mais uma vez, pedem a ela o número do telefone de alguém da família, e ela, muito nervosa, consegue pronunciá-lo: é o do celular do marido. Ligam para ele que imediatamente sai da firma onde trabalha como operário e chega ao local dos fatos. Assustado, segura a mão da esposa e a acha fria; pega a bolsa da mulher e a criança. 
            Caminha, como se fosse embora, sua atitude é de quem está transtornado, vendo sua cara metade, ali jogada. Nisso chega a ambulância, e os paramédicos a examinam. A situação da moça é realmente séria. Rapidamente, colocam-na no carro, mas o marido está sem ação, quando alguém diz:
            _ Vai, meu senhor, tem que ir junto, até ao hospital. Ele sente–se impotente, sua mulher, mãe de sua filha, sendo encaminhada para um hospital. A lágrima cai lavando sua alma de trabalhador, e dentro de sua mente nasce um pensamento:
            _ Ela não jantou ontem, e guardou o dinheiro do ônibus, ida e volta para levar a filha à APAE.
            Será que foi a fome? Mais uma pergunta sem resposta.


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