É fome
Fim de dia. No terminal chega e sai
gente. Nos bancos de espera várias pessoas aguardam os ônibus de suas linhas. O
dia está sem luminosidade, como se estivesse prestes chover; um lençol de
nuvens empana o rei solar, como se o protegesse da translação terrestre. É um
dia como outro qualquer. A rotina diária, o chove não molha de pessoas que
tentam sobreviver, enfrentando a carestia da época.
Ouve-se uma buzina: é um
dos ônibus que tenta sair, mas quase atropela um pedestre distraído que estava
a fazer contas caminhando sem olhar pra frente.
De repente, um grito,
alguém diz:
_ Segure minha filha, estou passando
mal!
E a criança escorrega de suas mãos,
prontamente amparadas por mãos que, rápidas, seguram aquele serzinho, uma menina,
de no máximo um ano. Olha-se seu rosto, e se vê que é uma garotinha especial.
Entre os bancos as pessoas observam
o estado lastimoso da jovem. A curiosidade é do tamanho da incoerência humana,
é um vai e vem de carros nas ruas paralelas, é a impotência da atitude humana,
as pessoas sentem-se amedrontadas, por que será o desmaio?
A moça volta a si e grita:
_ Minha filha, eu quero a minha
filha!
E torna a desmaiar. Amparam-na.
_ É um colapso nervoso? - alguém
pergunta. Não houve resposta. A multidão se aglomera, é a curiosidade natural
do ser humano.
A pequenina é um grãozinho de areia
no meio daquela gente, mas alguém a segura. Hora de segurar firme, pois podem
levá-la, só tem a mãe ali, que no momento se encontra impossibilitada de protegê-la.
Os responsáveis pelo terminal chamam
ambulâncias, mas demoram muito prá chegar; a moça volta novamente a si e
torna a dizer:
_ Minha filha! Onde está minha
filha? – e novamente perde os sentidos. Esta mãe já acordou e desacordou umas
oito vezes.
A espera pelos socorros é
angustiante e a multidão começa a se revoltar. Ouvem-se gritos de um lado e de
outro.
_ Por que a ambulância não chega? – e a
pergunta fica sem resposta.
O desespero é total, todos observam
a moça que crava suas unhas nas palmas das mãos, dando a impressão de que ela
quer segurar algo, para se sentir segura. Continua desmaiada, a criança, um
anjo quietinho no colo de uma estranha, não chora, não tem noção da extensão da
dor da mamãe. De repente, acorda mais uma vez, pedem a ela o número do telefone
de alguém da família, e ela, muito nervosa, consegue pronunciá-lo: é o do
celular do marido. Ligam para ele que imediatamente sai da firma onde trabalha
como operário e chega ao local dos fatos. Assustado, segura a mão da esposa e a
acha fria; pega a bolsa da mulher e a criança.
Caminha,
como se fosse embora, sua atitude é de quem está transtornado, vendo sua cara
metade, ali jogada. Nisso chega a ambulância, e os paramédicos a examinam. A
situação da moça é realmente séria. Rapidamente, colocam-na no carro, mas o
marido está sem ação, quando alguém diz:
_ Vai, meu senhor, tem que ir junto,
até ao hospital. Ele sente–se impotente, sua mulher, mãe de sua filha, sendo
encaminhada para um hospital. A lágrima cai lavando sua alma de trabalhador, e
dentro de sua mente nasce um pensamento:
_ Ela não jantou ontem, e guardou o
dinheiro do ônibus, ida e volta para levar a filha à APAE.
Será que foi a fome? Mais uma
pergunta sem resposta.